sexta-feira, 29 de julho de 2011

A terceira via e o Direito Ambiental: interrogações possíveis

Autora: Ms. Magna Campos 

Resumo: Este texto tem por objetivo discorrer sobre a proposta de Anthony Giddens intitulada de “terceira via”, na qual o autor aponta a necessidade de um novo contrato social, adequado à realidade do mundo pós-moderno ou líquido-moderno, envolto que é pelos eventos da globalização e da localização. A “terceira via” emerge do conceito de progresso autossustentado, um dos novos paradigmas exigido pela economia contemporânea, e é construída com base no trinômio inovação-produtividade-sustentabilidade. A filosofia da “terceira via” preocupa-se em procurar o sentido das três grandes revoluções: a globalização, as transformações da intimidade e a mudança do relacionamento do homem com a natureza. Dessa proposta de Giddens, surge um fio orientador/indagador para as questões práticas e conceituais a serem abordadas pelo Direito Ambiental Brasileiro.

Palavras-chave: terceira via, novo contrato social, direito ambiental, globalização, modernização ecológica.

Sumário: 1. O contexto pós-moderno ou líquido-moderno.
1.1. A questão ambiental e a proposta de uma Terceira Via. 
1.2 A Terceira Via e o trinômio: inovação-produtividade-sustentabilidade. 
1.3 A nova proposta e os horizontes para o Direito Ambiental.


1. O contexto pós-moderno ou líquido-moderno
A modernidade líquida, termo cunhado por Zygmunt Bauman[1] para designar a nova configuração da modernidade vivenciada, diz respeito à discussão das transições paradigmáticas[2] que vêm ocorrendo desde o final do século XX e, especialmente, nesse início de século XXI, o que nos levaria ao questionamento e à reescrita dos ideais da modernidade, tais como: a racionalidade a-histórica, as verdades transcendentais[3], a homogeneidade do sujeito social, a autonomia, as fronteiras territoriais, dentre outros.
A partir de Bauman (2001), podemos conceber a modernidade líquida como uma forma de interrogar a modernidade e de problematizar certas questões por ela trazidas. Dessa forma, a modernidade[4] seria um longo processo de “liquefação” da solidez característica dos tempos pré-modernos. O que o projeto da modernidade teria se proposto era substituir os “sólidos” tradicionais por novos “sólidos”, mais confiáveis, previsíveis e administráveis segundo critérios racionais. Mas o que de fato ocorreu, no entender de Bauman, foi que, ao longo dos tempos modernos, os sólidos se derreteram, ou seja, aqueles conceitos centrais, como por exemplo, emancipação, individualidade, tempo/espaço, os quais deveriam constituir o chão firme dos novos tempos, perderam sua rigidez.
Enquanto a modernidade sólida colocava a duração eterna como principal motivo e princípio da ação, na modernidade líquida a duração eterna não tem função. O curto prazo substituiu o longo prazo, e fez da instantaneidade o ideal último. Se antes os indivíduos contabilizavam seu tempo e seu espaço a partir do que seu corpo podia fazer; e depois passaram a lidar com o tempo e o espaço que os automóveis produziam – estar a dez minutos de alguém/algum lugar não significa o mesmo para alguém a pé e para alguém motorizado –; agora o espaço dissolve-se, uma vez que por meio de um sinal eletrônico, uma mensagem pode atravessar o mundo em segundos ou frações de segundos[5].
Por esse motivo, o autor argumenta na direção de visões fluidas e heterogêneas e muito mais dinâmicas da sociedade contemporânea, construída “no aqui e no agora”. Essas tecidas sob uma trama movente[6], ao contrário de visões duradouras e unificadoras da tradição moderna, baseadas nas verdades universais e na racionalidade, que, supostamente, levariam ao progresso e ao desenvolvimento, amparadas no ideal do Estado-nação.
Uma nova ordem mundial ou um novo capitalismo, chamada por Bauman (1999) de nova (des)ordem mundial, que atravessa o mundo, em todas as esferas, por meio da globalização[7], ameaça e enfraquece a fórmula do Estado-nação, por meio dos muitos processos de integração e interpenetração econômica, cultural, tecnológica e ideológica entre os países, ocasionando uma crescente interpenetração de bens físicos e simbólicos entre os territórios e um aumento exponencial dos fluxos globais de pessoas.
Segundo Hall (2004), baseado em Giddens (1990),
“a globalização implica um movimento de distanciamento da ideia sociológica clássica da “sociedade” como um sistema bem delimitado e sua substituição por uma perspectiva que se concentra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço.” (HALL, 2004, p.67) grifos do autor
Isso nos permite pensar que a globalização, com suas configurações em que o tempo é um instante e o espaço é um quase nada, alcança a todos nós, indiferentemente de estarmos mais ou menos engajados no universo global[8]. Tal fato nos leva à conclusão de que o espaço e o tempo são produtos das relações sociais, culturais, adicionadas às políticas e econômicas.

1.1. A questão ambiental e a proposta de uma Terceira Via
E se espaço e tempo são produzidos de forma não natural, mas conjuntural, podemos também pensar que a questão ambiental, tão necessariamente discutida, precisa ser observada no espaço ambivalente da fronteira entre modernidade sólida e modernidade líquida, a fim de serem interrogadas as suas conjunturas de uma forma menos ingênua. Tendo em vista que, na modernidade líquida, emergem novos “paradigmas” exigidos pela economia, como um novo conceito de progresso autossustentado, que respeite o meio ambiente e valorize o indivíduo e sua criatividade, um domínio sem precedentes da tecnologia, e uma exploração da capacidade de consumo[9] por parte do ser humano como nunca antes se presenciou (BAUDRILLARD, 1985).
Talvez a nova configuração da sociedade, acima mencionada, estabeleça a necessidade de um novo contrato social. E a crítica cultural vem a oferecer, por meio do crítico-sociólogo Anthony Giddens, uma proposta para esse novo Contrato Social, denominado pelo próprio Giddens (2005) de A Terceira Via. Para o autor,
“A filosofia da ‘terceira via’ preocupa-se em procurar o sentido das três grandes revoluções: a globalização, as transformações da intimidade e a mudança do relacionamento do homem com a natureza. A partir dessas análises, projeta políticas que, sendo realistas, não deixem de ser radicais. Ou seja, não abram mão dos ideais de solidariedade e inclusão social.” (GIDDENS, 1998, p.1) grifo, em negrito, nosso.
O autor sugere, por meio dela, um caminho alternativo entre (ou além) (d)a direita e (d)a esquerda política, (d)o avanço econômico e (d)a questão ecológica, (d)o conservadorismo e (d)o avanço tecnológico, (d)o desenvolvimento e (d)a destruição da natureza. A terceira via seria, portanto, um terceiro caminho para se pensar a questão ambiental.
Como foco deste Novo Contrato Social, a Terceira Via é construída em torno da conjugação: sociedade civil-mercado-governança. Pois, embora a
“intervenção do governo seja necessária para promover sólidos princípios ambientais, ela envolve a ativa cooperação da indústria – é de se esperar que seja sua cooperação voluntária, mediante o reconhecimento de que a modernização ecológica é benéfica para os negócios.” (GIDDENS, 2005, p.67)
E o autor complementa:
“A modernização ecológica implica uma parecia em que governos, empresas, ambientalistas moderados e cientistas cooperam na reestruturação da economia política capitalista em linhas mais defensáveis ambientalmente.” (MARTEEN, 1995 apud GIDDENS, 2005, p. 67)
A associação entre economia, desenvolvimento e ecologia são propostas dentro do novo parâmetro da modernização ecológica. Dessa forma, fica evidente que, para a Terceira Via, desenvolvimento com gestão do meio ambiente na direção da sustentabilidade não são incompatíveis. Aliás, é o próprio Giddens (2005) quem critica o Relatório Brundtland que forneceu a definição de desenvolvimento sustentável que permeia a maior parte dos debates ambientais atualmente.
No entender de Giddens (2005, p.66),
“Brundtland forneceu uma definição enganosamente simples de desenvolvimento sustentável, como a capacidade da atual geração ‘de assegurar que ele atenda às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de futuras gerações de satisfazer suas próprias necessidades’. Uma vez que não sabemos quais serão as necessidades das futuras gerações, ou de que modo a utilização do recurso será afetada pela mudança tecnológica, a noção de desenvolvimento sustentável não permite precisão – não é surpreendente que pelo menos quarenta definições diferente dela tenham sido registradas.”
Assim, desenvolvimento sustentável seria mais um princípio norteador do que uma fórmula precisa. De qualquer forma, foi endossado pela Agenda 21, e vários países, inclusive o Brasil, fizeram muitos esforços para introduzi-lo em seu pensamento econômico.
A modernização ecológica, de acordo com Marteen Hajer (apud GIDDENS, 2005, p.67), reúne vários enredos críveis e atraentes: desenvolvimento sustentável em lugar de “crescimento definidor”; uma preferência pela prevenção no lugar da cura; o equacionamento de poluição com ineficiência; e o tratamento da regulação ambiental e do crescimento econômico como mutuamente benéficos.
Da modernização ecológica emergem duas questões fundamentais: nossa relação com ciência e tecnologia e nossa relação com o risco. Muito condicionada pela globalização, a mudança científica e tecnológica se acelerou, e sua influência sobre nossas vidas tornou-se mais proeminente. Não é mais possível pensar “o ambiente” como algo externo a nós, como o mundo natural, pois, devido às inovações, muito do que entes era natural é agora produto da atividade humana, ou influenciada por ela – não apenas o mundo externo, mas também o “ambiente interno” do corpo. Pois ciência e tecnologia invadiram o corpo humano, e reformataram o liame entre o que pode ser humanamente realizado e o que simplesmente temos de admitir da natureza (GIDDENS, 2005).
Uma política ecológica para os dias de hoje, conforme pressupõe Giddens (1998), tem de ir além do simples ambientalismo. Não adianta propor coisas como o "retorno à natureza". A maioria de nossas áreas ambientais está de tal forma atrelada a sistemas sociais que nem poderíamos começar a separar um do outro. Assim,
“Não adianta planejar uma ‘revolução não violenta’, que erradique a ‘sociedade industrial poluidora’ e nos ponha em harmonia com o planeta. A sociedade tecnológica é irreversível. É desse ponto que precisamos partir, lembrando que vivemos num mundo de riscos artificiais, criados por nós mesmos. De um ponto de vista prático, precisamos assumir a administração desses riscos, sem nostalgia ou conservadorismo. Por exemplo, intensificando muito mais do que ocorre hoje os contatos entre o governo e a comunidade científica.” (GIDDENS, 1998, p. 3) grifos do autor
A atitude mais interrogatória assumida na modernidade líquida, conforme tratada no início deste texto, não nos permite ver ciência e tecnologia como era vista antes: algo alheio à política e ao direito. Veja-se isso, por exemplo, nas amplas manifestações imediatas e na resistência da população tão logo se depare com a ameaça de implantação de uma nova usina mineradora que coloque o patrimônio cultural e ambiental de uma localidade ou de um conjunto de localidades. Os manifestantes logo cobram do poder político uma posição, e, em vários casos, recolhem assinaturas pedindo o tombamento do patrimônio ameaçado e não aceitam simplesmente a implantação da atividade industrial com a mesma atitude conformada do início da industrialização. Mesmo que não consigam, muitas vezes, o intento desejado, mas consegue fazer com que, ao menos, a questão seja levada a escrutínio público. Neste contexto, a mídia pode ser um dos elementos que mais tem a contribuir para que se implante o debate social, já que na sociedade de informação, a mídia configura-se como sendo o quarto poder[10] atuante.

1.2 A Terceira Via e o trinômio: inovação-produtividade-sustentabilidade
Para Giddens, o modelo da Terceira Via propõe que a inovação permita ênfase em perfis ecológicos mais sofisticados, os novos sistemas verdes de produção decorrentes do trinômio inovação-produtividade-sustentabilidade. Nesse ínterim, a tomada de decisões em contextos como o mencionado acima “não pode ser deixada aos ‘especialistas’, mas tem de envolver políticos e cidadãos” (GIDDENS, 2005, p. 69). Nesse Novo Contrato Social, ciência e tecnologia não podem ficar alheias ao processo democrático, tão pouco podemos esperar que os especialistas saibam automaticamente o que é bom para nós ou nos forneçam verdades inquestionáveis, já que este último é mais um dos paradigmas da modernidade sólida que se liquefez. Especialistas e empresários devem, neste novo contrato, serem convocados para justificar suas conclusões e planos de ação diante do escrutínio público.
Já no que se refere às novas situações de risco da modernidade líquida, não temos a experiência passada para nos guiar, pois várias situações são totalmente adversas às já conhecidas. Veja-se o caso da polêmica em torno do aquecimento global. Várias correntes afirmam que ele tem origem na ação humana e que reserva futuros desastres para a humanidade. Todavia, uma minoria de especialistas não acredita em nenhuma dessas coisas e afirmam ser esse um “evento” natural da atividade da própria natureza.
Os riscos ecológicos, no entanto, não podem ser deixados de lado, pois fluem para áreas essenciais da política moderna. Não há como pensar em assistência à saúde pública, por exemplo, sem se considerar a imensa produção de lixo e de poluição atmosférica geradas atualmente. O que demonstra a interligação das questões ambientais com as questões políticas.
Sendo assim, pensando em modernização ecológica, é preciso adotar-se o princípio do acautelamento como meio de enfrentar as ameaças ecológicas. Esse princípio envolve política e, não obstante, o direito, uma vez que declara que a ação sobre questões ambientais deve ser tomada ainda que haja incerteza científica acerca delas, princípio esse que norteia a papel do Estado e das leis ambientais na modernidade líquida. Seguindo esse postulado, os desastres ocorridos em 2011, na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, devem servir para nortear a criação ou a atualização de um dispositivo legal acerca da ocupação de áreas de risco no país, ainda que não se saiba se tal desastre foi apenas um episódio esporádico ou se virá a ser passível de acontecer em diversas outras encostas. De forma análoga, os programas de combate à chuva ácida devem existir ainda que não existam estudos conclusivos sobre os danos causados, por exemplo, em obras artísticas tombadas pelo patrimônio histórico-cultural.
Mas a Terceira Via também aponta que nem sempre o princípio do acautelamento será útil e aplicado, pode ser que, em vários casos, seja necessário que o Estado seja mais audacioso do que cauteloso no apoio à inovação científica e tecnológica.
“O risco ecológico muitas vezes não será normalizado dessa maneira [com base no acautelamento], porque em muitas situações nós já não temos a opção de ‘permanecer junto à natureza’, ou porque o equilíbrio entre benefícios e os perigos do avanço científico e tecnológico é imponderável.” (GUIDDENS, 2005, p.71) grifos do autor
O que configura o caráter complexo das novas situações de risco. O que o Novo Contrato Social propõe, portanto, é que igual atenção seja dada tanto às questões ambientais, quanto aos ricos. O risco chama a atenção para os perigos, mas não esqueçamos que, também, para as oportunidades que o acompanha. Funciona, assim, como o princípio energizador de uma sociedade que se afastou da tradição e da natureza. Essa nova “proeminência do risco conecta a autonomia individual de um lado com a influência avassaladora da mudança científica e tecnológica em outro” (GIDDENS, 2005, p.72).

1.3 A nova proposta e os horizontes para o Direito Ambiental
Chegamos, desta feita, ao teorema central da Terceira Via de Giddens: “não há direitos sem responsabilidades”, ou “com os direitos vêm as responsabilidades”.
“Uma vez que tradição e natureza sejam transformadas, decisões orientadas para o futuro têm de ser tomadas e somos responsáveis por suas consequências. Quem deve assumir a responsabilidade pelas consequências futuras de atividades presentes (seja de indivíduos, nações ou outros grupos) é das maiores preocupações da nova política, como é e quem provê a segurança se as coisas dão errado, como e com que recursos.” (GIDDENS, 2005, p. 73)
Seria essa a orientação para o Direito Ambiental na modernidade líquida? Certamente, na proposta desse Novo Contrato Social, seria. Estariam envolvidos na Terceira Via: a regulação, o acautelamento, a gestão dos riscos e a atribuição de responsabilidades. E teríamos uma certa remodelagem nos valores tradicionais para os valores desta nova via: a igualdade, a proteção aos vulneráveis, a liberdade como autonomia, a não existência de direitos sem responsabilidades, a não existência de autoridade sem democracia. Afinal, numa sociedade em que a tradição e o costume estão perdendo seu domínio, a única via possível para o estabelecimento da autoridade é a via da democracia. E, nesse âmbito, lembremos a máxima de que
“[o Direito] sem a compreensão do homem na história, sem contar com o pensamento crítico, sem se integrar às questões sociais, econômicas, científicas e tecnológicas de seu tempo, o Direito não mais sabe qual é a sua finalidade. Enfim, torna-se um cadáver insepulto. “(GAMBOGI, 2005, p.264)
Assim é preciso reconhecer que, numa sociedade de valores esfacelados, em que as pessoas formam sua identidade social como consumidores – e não como cidadãos, nem como membros de uma família ou de um Estado ou de uma religião –, todo projeto político e social, no caso, a Terceira Via, passa pelas instâncias de legitimação do direito, pelo menos como meio de entrelaçamento exterior das vontades em conflito no mercado ou, no mínimo, como autorização de agir de modo a não destruir o outro. Assim, o Direito, estendido ao Direito Ambiental, nessa nova realidade, muitas vezes, “terá que se valer da troca da invocação do passado pela antecipação do futuro” (GAMBOGI, 2005, p.262).
Além disso, como um princípio ético, a máxima “não há direitos sem responsabilidades” deve se aplicar não apenas aos beneficiários do welfare state[11], mas a todos, quer seja político ou cidadão comum, ricos ou pobres, empresas pequenas ou grandes indústrias; tendo em vista que o Novo Contrato Social indica que quem “lucra” como os bens sociais deve usá-los com responsabilidade e dar algo em troca à comunidade. Pois, o Estado ao garantir direitos para o cidadão,
“deve fazer com que eles venham acompanhados de responsabilidades. A saúde, por exemplo, já não pode ser tratada como algo puramente passivo, sobre a qual a pessoa não tem nenhum controle: sabemos o bastante a respeito da influência da alimentação ou do estilo de vida sobre nosso organismo para julgar que toda doença é um azar externo que se abateu sobre nós. Os arranjos de seguro-desemprego também devem ser feitos de modo a não travar a pessoa na inatividade. A decisão de voltar ao trabalho, desistindo de pensões [...] são benéficas para o indivíduo e para o grupo.” (GIDDENS, 1998, p.2)
O que a Terceira Via mostra é que a ação ecológica precisa deixar de ter apenas o caráter de denúncia para orientar-se por políticas e proposições que conjuguem tecnologia, ciência e ecologia. Afinal, o meio ambiente não é mais apenas um problema local, é global, se considerarmos o fenômeno do aquecimento global, por exemplo. Pois, como afirma Hall (2004), já mencionado, a globalização implica um movimento de distanciamento da visão estática de território e de sociedade como delimitados, tendo em vista que o local e o global andam juntos, sendo hoje, um existência do outro.
Um olhar menos pessimista é o enfoque pretendido, não haveria a necessidade, conforme os argumentos apresentados por Giddens (2001), de enxergar como incompatíveis o desenvolvimento econômico e o gerenciamento ecológico firme. À primeira vista, quando se propôs a sustentabilidade, foram geradas assertivas no sentido de que as melhorias ecológicas geravam altos custos de produção e, portanto, perda de competitividade no mercado pela empresa que investisse nesse quesito. Todavia, uma nova orientação, com vistas a modernidade ecológica, mostrou haver uma linha de ação diferente. Uma perspectiva ecologicamente mais sofisticada pode promover inovações tecnológicas que permitam aos produtores maior eficiência, aumento na produtividade e melhor aproveitamento dos recursos.
O autor cita como ilustrativo o caso do agente para refrigeração de geladeiras ambientalmente mais seguro, apontado em 1992, pelo Greenpeace, e que foi adotado por algumas fábricas alemãs. Ao final das contas, o sistema mostrou-se mais barato e eficaz do que as alternativas poluentes, e mais tarde a maioria dos produtores migrou para esta tecnologia. Ilustração que demonstra que o trinômio ciência-tecnologia-sustentabilidade podem se coadunar sem maiores conflitos.
Nesta visão, risco e responsabilidade se misturam de uma nova maneira. O debate sobre a globalização, no entender desta proposta, está profundamente ligado a questões e problemas ecológicos. E em lugar de tratá-los como questões secundárias, a política da Terceira Via as vê como fundamentais (GIDDENS, 2001). Isso significa desenvolver uma análise dos riscos sofisticada, e reconhecer que a decadência ambiental afeta as pessoas mais pobres de forma bem mais direta e perversa do que as mais abastadas.
Não obstante, podemos esquecer do pressuposto de Bauman (1999) que diz que, no projeto da globalização, configuram-se duas formas proeminentes do espaço, onde quem está livre da localidade pode escapar dos adventos da globalização; já os que estão presos ao local, estão fadados a cumprir as responsabilidades e penalidades do processo.
O próprio Bauman ilustra a proposição acima e nos impele a refletir sobre a construção das grandes corporações econômicas – ainda mais avultados na era digital, dos investimentos em papéis virtuais nas bolsas de valores mundiais – a sua localização no tempo e no espaço e, também, sobre o conflito gerado pela falta da presença física dos investidores já que “a companhia pertence às pessoas que nela investem - não aos seus empregados ou à localidade em que se situa” (BAUMAN, 1999, p.13). Desta forma, os acionistas não estão presos ao local, ao contrário dos funcionários, que tem seus vínculos familiares e suas obrigações na localidade. E se os danos ambientais causados pela indústria em que trabalham são irreversíveis, serão eles os mais afetados juntamente com os demais moradores da comunidade. Os acionistas, no entanto, caso vislumbrem melhores oportunidades em outras localidades, migrarão para ela, sem maiores problemas, deixando aos que ficam o ônus da localidade e de tudo que nela está implicado. Decorre daí a visão de que a globalização ressignificou irreversivelmente a localidade, tornando-o a sua sombra.
Além disso, modernização ecológica, pode ser entendida, em grande parte como uma questão de política nacional, mas os riscos ambientais em geral cruzam as fronteiras das nações e alguns são de alcance global.
 Por isso, dadas as novas configurações sociais da modernidade líquida, não podemos pensar em modernização ecológica, conforme proposta pela Terceira Via, caso não seja levado em consideração um novo contrato social, assentado na relação da política com a ciência e a tecnologia, pois somente assim seria possível promover as transformações necessárias para tal modernização, sem demagogismos e alienação, e, conjugar sociedade civil-mercado-governança.

Referências Bibliográficas:
BAUDRILLARD, Jean. À sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o surgimento das massas. São Paulo: Brasiliense, 1985.
BAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
BAUMAN, Zigmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.
GAMBOGI, Luís Carlos Balbino. O paradigma jurídico pós-moderno. In: ______. Direito, razão e sensibilidade: as intuições na hermenêutica jurídica. Belo Horizonte: Editora Del-Rey – FCH- Fumec, 2005. p. 262-274.
GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-democracia. 5.ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.
GIDDENS, Anthony. A terceira via e seus críticos. Rio de Janeiro: Record, 2001.
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. 2.ed. São Paulo: Ed Unesp, 1991.
GRAIEB, Carlos. Entrevista com Anthony Giddens. Revista Veja. 30 set. 1998. Disponível em: http://veja.abril.com.br/300998/p_011.html. Acesso em: 03 mar. 2011.
GUARESCHI, Pedrinho A. Mídia e democracia: o quarto versus o quinto poder. Revista Debates, Porto Alegre, v.1, n.1, p. 6-25, jul./dez. 2007.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1975.
JAMESON, Frederic. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Editora Ática, 1997.
SALES, Ana Paula Correa de. A efetividade das normas constitucionais de direito
fundamental no Estado Democrático de Direito. 16/12/2005. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br . Acesso em: 02 mar.

Notas:


[1] O termo “modernidade líquida” é cunhado por Bauman no livro que tem por título exatamente essa nomeação, publicado no Brasil em 2001.
[2] Paradigma, de acordo com Kuhn (1975, p.221-222), é algo compartilhado pelos membros de uma comunidade, ou seja, é o consenso de uma comunidade científica em relação a alguns conceitos que vão definir o que é válido para a comunidade.
[3] Na visão de Jameson (1997), uma importante característica da pós-modernidade é a fragmentação. Para ele, a era pós-moderna não pressupõe a universalidade dos discursos característica da era moderna. Ao contrário, não parece haver, na pós-modernidade, o pressuposto da existência de uma verdade absoluta, mas, sim o pressuposto de que existem verdades relativas. Assim sendo, na medida em que se pressupõe que não há uma verdade que justifique a universalização dos discursos, o que resta são discursos fragmentados e heterogêneos coexistindo em uma mesma época.
[4] Para Bauman haveria duas espécies de modernidades: a sólida (pesada) – referente ao que usualmente é chamado de modernidade, propriamente dita – e a líquida (leve) – referente ao que é chamado, por vários autores, de pós-modernidade.
[5] Com isso enveredamos de vez na era do “tempo real”, do “on-line”.
[6] A ideia do movimento é muito recorrente em Bauman, assim como em muitos outros autores que tratam da questão da pós-modernidade.
[7] Ver: BAUMAN (1999; 2001); GIDDENS (1991); HALL (2004).
[8] Mesmo que o global tenha dado maior visibilidade também ao local, entendemos juntamente com Hall que esse ‘localismo’ não é um mero resíduo do passado. É algo novo – a sombra que acompanha a globalização: o que é deixado de lado pelo fluxo panorâmico da globalização, mas retorna para perturbar e transtornar seus estabelecimentos culturais. É o exterior constitutivo da globalização (2003, p. 61). Com base nessa afirmativa que pensamos que todos estamos envoltos pelo advento da globalização, indiferentemente dessa contextualização ser global ou local. E é nesse sentido, que o local e o global andam juntos, sendo hoje, um existência do outro.
[9] Conforme Baudrillard (1985), o que garante a coesão social [ na pós-modernidade] não são mais as formações culturais tradicionais e nem mesmo o Direito, mas os signos flutuantes no mercado de consumo e a relação do consumidor com os mesmos.
[10] “É fácil constatar a enorme influência da mídia na política. O livro de Thompson (2002), sobre escândalo político, mostra que a política é, hoje, ininteligível sem que levemos em consideração a variável mídia. A política e os políticos trabalham com um material especial, que é a credibilidade. A matéria prima da política é a credibilidade, um capital simbólico. Ora, a mídia é o meio de produção desse capital, tanto para construí-lo, como para destruí-lo, como é o caso do escândalo político” (Guareschi, 2007, p.2)
[11] Podemos compreender Welfare State como a mobilização em larga escala do aparelho de Estado em uma sociedade capitalista a fim de executar medidas orientadas diretamente ao bem-estar da população. Não se tratando apenas de um simples conjunto de políticas sociais (SOUZA, 1999, apud SALES, 2005, p.3).

Fonte: CAMPOS, Magna. A terceira via e o Direito Ambiental: interrogações possíveis. Revista Âmbito Jurídico, Rio Grande, 87, 01/04/2011. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9371. Acesso em 29/07/2011.

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