terça-feira, 29 de maio de 2012

Argumentação: a eficácia das palavras

A escrita como uma habilidade advinda do trabalho constante: o caso do texto argumentativo

Ms. Magna Campos

A construção de um texto ou de um discurso argumentativo se dá pelo trabalho, e não por inspiração de entidades mágicas, por dom. Trata-se de uma habilidade desenvolvida pelo trabalho constante e bem realizado, tanto de escrever quanto de reescrever. A importância de destituir a escrita da acepção de dom é vital, pois só assim podemos torná-la possível de ser trabalhada e melhorada constantemente.

Nesta mesma perspectiva, argumenta Citelli, em seu livro "O texto Argumentativo". Leia-se abaixo: 

A nossa perspectiva foi a de conceber a linguagem como trabalho, daí a constância de termos como pesquisa, estudo, plano, escrita, reescrita. Feliz ou infelizmente, produzir textos exige tanto algum domínio do sistema expressivo como o envolvimento com as coisas do mundo. Por isso não se trata de algo fácil ou difícil, mas de um desafio que pode e deve ser vencido. (CITELLI,1994,p.78)

Todavia, para escrever é preciso conhecer como dizer e também o que dizer. E para se ter as "ideias", ter o que se dizer, é preciso ler com perspicácia o mundo que nos circula e, igualmente,ler a nós mesmos.

A argumentação, por sua face dupla - o convencimento e a persuasão -, faz parte do cotidiano, presentes na publicidade, nos editoriais, nos artigos de opinião, nos discursos políticos e jurídicos e em nossa fala corriqueira, pois como afirma Koch (2002, p.19):

"Como ser dotado de razão e vontade, o homem,constantemente, avalia, julga, critica, isto é, forma juízos e valor. Por outro lado, por meio do discurso – ação verbal dotada de intencionalidade – tenta fluir sobre o comportamento do outro ou fazer com que compartilhe determinadas de suas opiniões. É por esta razão que se pode afirmar que o ATO DE ARGUMENTAR constitui o ato lingüístico fundamental, pois A TODO E QUALQUER MOMENTO SUBJAZ UMA IDEOLOGIA, na acepção mais ampla do termo. A neutralidade é apenas um mito: o discurso que se pretende “neutro”, ingênuo, contém também uma ideologia – a da sua própria objetividade". (grifos da autora)

Por isso, deixo aqui alguns exemplos interessantes de argumentação em textos verbais e não verbais:

























Fonte: http://sociedade-e-persuasao.blogspot.com.br/















O cego e o publicitário

Dizem que havia um cego sentado na calçada em Paris, com um boné a seus pés e um pedaço de madeira. No boné, estava escrito com giz branco: "Por favor, ajude-me, sou cego". Um publicitário, da área de criação, que passava em frente a ele, parou e viu umas poucas moedas no boné. Sem pedir licença, pegou o cartaz, virou-o, pegou o giz e escreveu outro anúncio. Voltou a colocar o pedaço de madeira aos pés do cego e foi embora. Pela tarde o publicitário voltou a passar em frente ao cego que pedia esmola. Agora, o seu boné estava cheio de notas e moedas. O cego reconheceu as pisadas e lhe perguntou se havia sido ele quem reescreveu seu cartaz, sobretudo querendo saber o que havia escrito ali. O publicitário respondeu: "Nada que não esteja de acordo com o seu anúncio, mas com outras palavras". Sorriu e continuou seu caminho. O cego nunca soube, mas seu novo cartaz dizia: "Hoje é primavera em Paris, e eu não posso vê-la!"


 O caso da melancia

 Justiça: Penal Direito discutido: furto N. processo: autos nº 124/03 Localidade: Palmas/TO Nome do juiz: Rafael Gonçalves de Paula Instância: primeira- 3ª Vara Criminal da Comarca Ponto relevante da decisão: decisão contra a lei, o juiz não aponta fundamentação legal 


DECISÃO Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão. Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional). Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém. Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário. Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia. Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra - e aí, cadê a Justiça nesse mundo? Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade. Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir. Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo. Expeçam-se os alvarás.

Palmas - TO, 05 de setembro de 2003. Rafael Gonçalves de Paula Juiz de Direito


Sim ao livro, não à catraca
      É muito interessante a iniciativa de se criar um monumento para a “descatracalização” da vida. A catraca é metáfora para toda forma de controle social que enfrentamos cotidianamente, e representa não só o controle material – câmeras filmadoras, pontos de entrada e saída no trabalho, notas escolares, números de identificação nas instâncias burocráticas estatais –, mas também o invisível, como o exercido pelos preceitos morais e religiosos e pelas normas vindas do desenvolvimento da ciência moderna, de longe, as formas de controle mais eficazes e prejudiciais – que “enquadram” sem que percebamos. Que aprisionam. Que emburrecem.

Já disse o filósofo francês Michael Foucault que muito mais eficiente que o controle é a autodisciplina. As religiões, por exemplo, instituíram valores morais que determinam como devemos viver. Como somos educados desde a infância dessa forma, esses valores são tão fortes que acabam sendo fiscalizados por nossa própria culpa, um elemento disciplinador interno que nos impede de ir contra a corrente. Os valores da moral judaico-cristã, por exemplo, nos dizem que devemos ser heterossexuais, nos casar, ter filhos, trabalhar muito, controlar nossos impulsos sexuais e agressivos. Apesar de muitas dessas regras facilitarem a vida coletiva, elas contrariam impulsos naturais importantes a alguns ou todos de nós, e nos condenam a repressões internas que causam sofrimento. Sigmund Freud defende essa idéia no livro O mal-estar na civilização. Um único preceito moral, como “não fazer mal aos outros”, talvez pudesse regular a vida social sem oprimir tanto os cidadãos.

Outra forma de controle ainda disfarçada que ganha cada vez mais força é aquela que se mascara em saber científico. Vivemos sob a ditadura das recomendações para se atingir saúde, vida longa, felicidade, fortuna, sucesso. A ciência exata e humana do século 20 nos manda fazer exercícios, não beber em excesso, ter orgasmos sempre, viver cada minuto como se fosse o último e definir metas profissionais. Essas instruções, algumas meramente cosméticas, vazias, têm cada vez mais penetração social, vide a freqüência com que aparecem na mídia ou o sucesso de venda dos livros de auto-ajuda e gestão empresarial. São fórmulas que parecem nos dizer: “sejam disciplinados, não é preciso ter arrebatamentos de alegria e liberdade, apenas sejam medianamente e controladamente saudáveis e produtivos”. Típica estratégia capitalista para manter as pessoas trabalhando muito, em acordo com a ideologia política vigente, mas satisfeitas por estarem praticando hábitos saudáveis, serenos.

      Há quem diga que tantas regras religiosas e de auto-ajuda aquietam as pessoas e promovem o bem-estar social. São os covardes, os tiranos. Aqueles que ignoram os efeitos da educação e da cultura como civilizadoras, mas com a vantagem de estimularem o bom senso e a autonomia.
 

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