segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Linguagem, escrita e poder - Maurizzio Gnerre

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O nome da Rosa - Umberto Eco

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Homo Ludens – o jogo como elemento da cultura - Johan Huizinga

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O que faz do Brasil, Brasil? Roberto DaMatta

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Renovar a Teoria Crítica e Reinventar a Emancipação Social - Boaventura Sousa Santos

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Critica Cultural – Teoria E Pratica - Marcelo Coelho

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Cidadania No Brasil: O Longo Caminho - José Murilo de Carvalho

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terça-feira, 14 de setembro de 2010

Que é ser crítico? (breve ensaio sobre a banalização da crítica)

por Raymundo de Lima*

"Eu escrevi o que entendo e os críticos escrevem o que eles entenderam. Eu, por princípio nunca faço comentários sobre as críticas”.
José Saramago

"O crítico não deve fazer ataques pessoais e sucumbir ao vedetismo”.
Daniel Piza
Espero que todos vocês sejam independentes, inovadores, pensadores críticos que farão exatamente o que eu digo
Há consenso entre professores que o ensino escolar deve desenvolver a capacidade crítica nos alunos. A nova A LDB 9394/96 estabelece que a educação média objetiva “...o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico...”(BRASIL. MEC, 1999,p. 20).
No período da ditadura militar professores podiam ser presos se ensinassem os alunos a serem cidadãos críticos ao regime político vigente, ao capitalismo selvagem etc. Na década de 1980, “a História era disciplina que se encarregava de fazer com que os alunos e professores exercessem o papel de sujeitos ativos na construção do seu conhecimento. Reconhecer e problematizar as experiências vividas pelos alunos e professores são atos imprescindíveis para a construção do conhecimento crítico”, observa Arthur Versiani Machado, do CEFET de Ouro Preto.  
Existe, porém, o problema sobre a compreensão do que é ser crítico. Noutros termos, há muita arbitrariedade no uso da palavra crítica, desde o julgamento popular de uma “situação crítica” até a conceituação originada na filosofia de: “espírito crítico”[1], “pensamento crítico”, “senso crítico”, “atitude crítica”, “postura crítica”, “postura crítica de análise”, “análise crítica”, “capacidade crítica”, “apreensão crítica da realidade”, “concepção crítica”, “sujeito crítico”, entre outras.
Existe uma associação indevida entre crítica com o ato de apontar defeitos ou de “descer-a-lenha” no outro ou na sua obra. Criticar uma obra de arte, uma teoria, os políticos, o governo, o técnico de futebol, o estilo do professor, os alunos, no fundo, consiste tão somente em apontar defeitos? Ou é imprescindível ao crítico investir numa argumentação consistente e fala respeitosa ou polida?
John Passmore (1979) observa que ser crítico não é simplesmente se posicionar contra, por exemplo, disparar contra uma obra ou autor “sua” opinião pessoal (ex.:“não gosto de Picasso”, “ópera é para aristocratas e burgueses”, “música x é chata”), ou usar argumentos estereotipados ou falaciosos sobre um determinado sistema de idéias que ele discorda.
Há professores cujo estilo vulgar de ser crítico levam os alunos reproduzirem o seu modo estereotipado de opinar sobre as coisas sem pensar autocriticamente. Segundo o autor acima, esse processo de pseudo ensino crítico chama-se doutrinação. Por exemplo, diante de uma pintura abstrata o aluno é levado a responder  automaticamente: “Isso é decadente”. Ou, ao assistir um curso cuja linha teórica lhe desconcerta, o aluno que foi doutrinado fica com cara de paisagem, isto é, reage com os mecanismos da indiferença e das respostas estereotipadas para si e para os outros. 
*          *          *
Curiosidade: o crítico contumaz, assim que chega ao poder (prefeito, diretor de escola, reitor, etc), tende a deixar de ser crítico. Agora ele faz discursos sobre suas realizações. O prefeito aproveita qualquer oportunidade da mídia para divulgar suas obras na cidade. O diretor da escola escreve panfletos para sua comunidade divulgando mudanças radicais em sua gestão na escola. O reitor se empenha em fazer bons discursos para mudanças cosméticas da  universidade. Assim, a crítica vale apenas para o outro, jamais deve se voltar para si próprio.
O exagero dos discursos das realizações zeradas de autocrítica leva-os a cair na vala do ridículo. Um diretor de escola – conhecido por bater no peito ser comunista  – revela seu lado ridículo ao fazer um discurso plagiando o estilo malufista, por exemplo, ao enumerar suas obras e mudanças radicais na escola. Um prefeito do PP ou DEM fica ridículo querendo se passar por “popular” ou “democrata”. 
Desse modo, a experiência demonstra que o crítico contumaz ao sistema político-econômico, uma vez no governo, se burocrática, passa a gozar de benefícios do poder, e também do auto-engano produzidos pelo cadáver de sua crítica. Se fosse evocado o fantasma desse cadáver talvez lhe dissesse: o mal são os outros que não abdicaram de seu espírito crítico.
Criticar x Achincalhar: as vias do direito
Forma comum de perverter o sentido de crítica é o achincalhe. O Dicionário diz que: achincalhar é ridicularizar, humilhar, chacotear, debochar, escarnecer. Há achincalhe quando o alvo do ataque é a pessoa, não suas idéias. O achincalhador lança mão de todos os estratagemas que foram elencados minuciosamente por Schopenhauer em sua “Arte de ter razão”.
Segundo Ricardo Antônio L. Camargo, “também se configura o achincalhe quando se imputa a alguém fato depreciativo e inverídico ou quando se lhe diz algo gratuitamente ofensivo à dignidade e ao decoro...Quando o fato imputado constitui crime, estamos diante do tipo calúnia. Quando o fato é meramente ofensivo à reputação, estamos diante da difamação. E quando se ofende a dignidade e o decoro de alguém, sem lhe imputar fato, o que se faz é injuriá-lo”. Obs.: Se for configurado crime de calúnia, difamação, e injúria, a vítima pode processar o agressor na justiça.
Portanto, crítica digna deste nome se expressa por argumentos consistentes, fundamentados, e não em ataques pessoais ou achincalhes. Reforçando o já dito, a verdadeira crítica não visa à pessoa, mas o seu enunciado; há o objetivo de contribuir para desvelar o sentido de um discurso ou obra, bem como revelar as artimanhas e a técnica usada pelo autor.
O achincalhe “é sempre corrosivo, é sempre destrutivo, é sempre a base de todos os conflitos que extrapolem motivos puramente materiais. Estereótipos, preconceitos e mesmo ódios passam a ser considerados como o metro pelo qual se medirá a bondade ou a maldade das condutas ou mesmo das pessoas”, analisa Camargo.
Numa reunião, por exemplo, alguém pode criticar uma nova medida administrativa sustentando certos argumentos, outro, carente de argumentos ou querendo se passar como mais “crítico” ataca o primeiro na sua integridade pessoal ou moral, religiosa, sexual, política, ou visa atingir sua cor de pele. O primeiro caso há crítica verdadeira, porque confronta argumentos com (contra)argumentos. Mas o  segundo  não passa de falsa crítica, tanto porque falta-lhe argumentos verdadeiros, e, sobretudo, porque o suposto crítico “joga pra galera”, faz política baixa ou  politicagem com um discurso vazio visando agradar um determinado grupo.
Atacar o oponente com golpes baixos (retórica com falácias, gestos teatrais, lágrimas de crocodilo, se colocar como vítima), não visa a verdade, mas sim, tem a intenção de destruir a pessoa ou idéia. Portanto, é achincalhe quando o suposto crítico “joga pra galera” frases de efeito como:  “ele é de direita”, “você é comunista”, “fulano é neoliberal”.  Geralmente tais frases vêm acompanhadas do estilo debochado, visando despertar risinhos amarelos no grupo caído na rede dos objetos falseados do achincalhador.
Critica e falsa crítica no ambiente de ensino
Um palestrante pode tanto criticar a obra como achincalhar sua pessoa, ou usar de deboches e sarcasmos visando destruir sua obra ou sua imagem pessoal perante a audiência. Cabe aos ouvintes ficarem de prontidão genuinamente crítica tanto para resistir ser doutrinado como para denunciar as falácias e promover a “dialética do esclarecimento” junto ao público.
Na escola, está se tornando freqüente alunos e pais desrespeitarem a professora. Confrontados, eles argumentam que estão apenas criticando o seu trabalho. Ora, se há desrespeito, estão achincalhando-a. O desrespeito não faz parte da verdadeira crítica. Eles poderiam criticar – com polidez e usando argumentos –, sem ofender ou desrespeitar. A professora tem o direito de se defender, também com polidez, usando argumentos e observaando o regulamento da escola.
O estilo crítico-cricri adotado por alguns alunos supostamente politizados e ansiosos em questionar-por-questionar também podem trair o propósito de verdadeiramente criticar. O aluno cri-cri imagina que basta discordar, ou ser do contra, ou estigmatizar o professor disso ou daquilo em vez de apresentar os fundamentos de sua suposta crítica.
Alguns professores acham chato esse tipo de aluno crítico-cricri, porque atrapalha a aula com falas estereotipadas e recortes de um discurso ideológico geralmente  fora do contexto da discussão. Tais alunos costumam seguir uma idéia-guia ou teoria totalizante que para eles “explica tudo” e sabe como “resolver todos os problemas do mundo”. Provavelmente o estilo cri-cri se rendeu aos encantos de um mestre panfletário e se vê convicto de ter encontrado “a verdade toda”. De acordo com os quatro discursos propostos por Lacan, estamos tratando, aqui, do “discurso universitário”, que se autoriza a partir de textos e autores venerados para impor seu saber a outro (o aluno-estudante) e visa produzir nele um contestador com ou sem causa.
O aluno cri-cri incomoda, sem dúvida, mas, pior mesmo é o aluno que passou dessa condição para ser um fanático mudo, onde o juízo crítico lhe foi abolido. Nele, a passagem ao ato[2] é iminente. (ver nos “arquivos do autor” o artigo  “Miséria do discípulo).  Para desarmar o dogmatismo falante Sócrates recomendava humor e ironia. Em vez de irritá-lo, contradizendo seus argumentos no mesmo nível, o verdadeiro professor deve escutá-lo com paciência, tolerância, disposição para o diálogo e questionamentos pontuais que contribuem para abrir o seu pensamento. Todavia, ao fanático mudo, que se leva muito a sério, com suas certezas absolutas, Amós Oz recomenda apenas usarmos o humor.
Crítica na filosofia e na ciência
Ainda que o cientista, ao fazer ciência, sabe que não faz “a”ciência, mas tão somente ele faz um enfoque, um ponto de vista, uma interpretação de uma dada realidade construída por ele, a atividade científica mais importante é crítica constante desta produção (DEMO, 1981, p. 25 – negrito meu). 
Uma crítica apenas sustentada no argumento de autoridade é uma falsa crítica. Pode ser sustentada nos grandes nomes (Marx, Freud, Vigotsky, etc), mas o enunciado pretensamente teórico não passa de uma crendice nessas autoridades tomadas como infalíveis. Especialmente nas Ciências Humanas e Sociais tais “monstros sagrados” do pensamento são abusivamente evocados com uma espécie de cobertor curto para explicar toda ordem de problemas da realidade concreta. Para Demo (op.cit.), eles são substitutos modernos da justificação dogmática, típica da abordagem teológica.
Karl Popper considera o pensamento crítico como sendo não apenas um ideal básico da educação, mas a pedra fundamental da atividade intelectual consciente – especialmente da atividade científica. Na filosofia das ciências, Popper considera que “o ato de criticar e a discussão crítica são nossos únicos meios de aproximação da verdade”[3]. Para esse autor, a ciência se diferencia da pseudociência não por fornecer certezas, mas por sua abertura à crítica e a possíveis refutações. Assim, a atividade científica está sustentada na criticidade, mais exatamente no princípio de autocriticidade, que Popper denomina de “falseabilidade”[4].
Como já foi dito, a verdadeira crítica não se preocupa com apontar defeitos no autor, mas se preocupa em apresentar um saber e uma avaliação aberta do próprio crítico sobre uma obra ou opinião. Ou seja, ainda que use um tom avaliativo, a crítica deve evitar tanto a pretensão de uma objetividade sobre uma obra como se deixar levar pelos sentimentos de amor, ódio, inveja em relação ao seu autor. Trata-se de encontrar uma medida de ser critico, “aberto” tanto na análise como na disposição para o debate plural.
Enquanto a ideologia é a “lógica do silêncio, da ocultação, do camuflamento e da dominação” (CHAUI, 1982), a ciência valoriza a dúvida, suspeita do que é apresentado como verdade absoluta, e, ainda  procura fundamentar seu argumento “crítico” em algum pressuposto teórico e/ou práxis do sujeito crítico-e-autocrítico.
Para Eduardo Luft (2002, 2003) “quem critica (...) tem de carregar consigo alguns pressupostos, pois a crítica pela crítica, ancorada em um suposto vazio, é antes um tipo de ceticismo arbitrário, uma forma velada de dogmatismo”. Portanto, a verdadeira crítica não se preocupa em apontar as falhas que parecem naturais somente ao outro, mas sim, ela se ocupa com os pressupostos de sua fundamentação e de sua própria autocrítica. 
Concluindo.
A educação pode tanto ser direcionada para a doutrinação como para a libertação. Só uma educação voltada para a formação do pensamento crítico pode contribuir para a libertação e autonomia do sujeito.
Portanto, há que ser verdadeiramente crítico em relação a tudo, e nesse caso o crítico poderia até ser acusado de criticismo, lembrando a linha filosófica de Kant. Desde que a crítica se sustenta em argumentos, tem fundamento, é respeitosa, tudo bem. Entretanto, a pessoa crítica contumaz tende a ser desagradável, observações fora de lugar e hora. Ninguém suporta uma pessoa cricrizando tudo e todos, sempre.
Bom senso, ética-moral, elegância no dizer, ter coragem de fazer autocrítica, devem ser imprescindíveis ao crítico genuíno. O bom senso orienta que, antes de atirarmos a primeira pedra crítica devemos nos colocar no lugar do criticado. Infelizmente, no mundo globalizado, parece estar desaparecendo essa qualidade – e arte[5]  –  de se colocar no lugar do outro, que a psicologia denomina empatia.
Referências
CHAUI, M. O que é ideologia. 9.ed. São Paulo: Brasiliense, 1982.
CHEMAMA, R. Dicionário de psicanálise. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
DEMO, P. Metodologia científica em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1981.
LENE, Hérica. Arte de se colocar no lugar do outro. Disponível em: <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=407DAC001>. Acesso em: abril/2008.
LIMA, Raymundo de. Educação no Brasil: o pensamento e atuação de José Mário Pires Azanha. 2005. 296f. Tese de Doutorado em Educação. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
LUFT, Eduardo. Conhecimento e criticidade. In: Um paradigma para a Escola do Século XXI?...Dimensões Epistemológica. Revista de Educação AEC. Brasília: AEC, 2002.
PASSMORE, John. “Ensinando a ser crítico”. In: PETERS, R. S. The Concept of Education. [trad.: Nélio Parra]. Londres: Routledge & Kegan, 1979.
PIZA, Daniel. Jornalismo cultural. Editora Contexto: 2003.
POPPER, K. A lógica da Pesquisa científica. [trad. Leônidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota]. São Paulo: Cultrix, 1972.
SIEGEL, Harvey. Pensamento crítico como um ideal de educação. In: The Educational Fórum, v. XLV, n. 1, nov.1980, p. 7-23. [Trad. De Riva Roitman/ Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - apostila].

O poder da argumentação

Veja como uma boa história pode "salvar a pele" de um bom argumentador.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O que é a ciência? II

Paul Davies
A ciência tem de envolver mais do que a mera catalogação de factos e do que a descoberta, através da tentativa e erro, de maneiras de proceder que funcionam. O que é crucial na verdadeira ciência é o facto de envolver a descoberta de princípios que subjazem e conectam os fenómenos naturais.
Apesar de concordar completamente que devemos respeitar a visão do mundo de povos indígenas não europeus, não penso que coisas como a astronomia maia, a acupunctura chinesa, etc., obedeçam à minha definição. O sistema ptolemaico de epiciclos alcançou uma precisão razoável ao descrever o movimento dos corpos celestes, mas não havia qualquer teoria propriamente dita subjacente ao sistema. A mecânica newtoniana, pelo contrário, não apenas descrevia os movimentos dos planetas de modo mais simples, conectava o movimento da Lua com a queda da maçã. Isto é verdadeira ciência, pois revela coisas que não podemos saber de nenhuma outra maneira.
Terá a astronomia maia ou a acupunctura chinesa alguma vez conduzido a uma previsão que não tenha falhado nem seja trivial e que tenha conduzido a novos conhecimentos sobre o mundo? Muitas pessoas tropeçaram no facto de que certas coisas funcionam, mas a verdadeira ciência consiste em saber por que razão as coisas funcionam. Tenho uma atitude de abertura em relação à acupunctura, mas se tal coisa funcionar, apostaria muito mais numa explicação baseada em impulsos nervosos do que em misteriosas correntes de energia cuja realidade física nunca foi demonstrada.
Por que razão nasceu a ciência na Europa? Na época de Galileu e Newton a China era muito mais avançada tecnologicamente. Contudo, a tecnologia chinesa (como a dos aborígenes australianos) foi alcançada por tentativa e erro, refinados ao longo de muitas gerações. O boomerang não foi inventado partindo da compreensão dos princípios da hidrodinâmica para depois conceber um instrumento. A bússola (descoberta pelos chineses) não envolveu a formulação dos princípios do magnetismo. Estes princípios emergiram da (verdadeira, segundo a minha definição) cultura científica da Europa. Claro que, historicamente, surgiu também alguma ciência de descobertas acidentais que só mais tarde foram compreendidas. Mas os exemplos mais óbvios da verdadeira ciência — tais como as ondas de rádio, a energia nuclear, o computador, a engenharia genética — emergiram, todos eles, da aplicação de uma compreensão teórica profunda que já existia — muitas vezes há muito tempo — antes da tecnologia que se procurava.
As razões que determinaram que tenha sido a Europa a dar à luz a ciência são complexas, mas têm certamente muito a ver com a filosofia grega e a sua noção de que os seres humanos podiam alcançar uma compreensão do modo como o mundo funciona por intermédio do pensamento racional, e com as três religiões monoteístas — o judaísmo, o cristianismo e o islamismo — e a sua noção de uma ordem na natureza, ordem essa que era real, legiforme, criada e imposta por um Grande Arquitecto.
Apesar de a ciência ter começado na Europa, é universal e está agora à disposição de todas as culturas. Podemos continuar a dar valor aos sistemas de crenças das outras culturas, ao mesmo tempo que reconhecemos que o conhecimento científico é algo de especial que transcende a cultura. 

Tradução de Desidério Murcho

O que é a ciência?

John Sommerville
 
Caro Senhor

Tomo a liberdade de me dirigir a si rogando-lhe que seja o juiz numa disputa entre mim e uma pessoa minha conhecida que já não posso considerar um amigo. A questão em discussão é a seguinte: É a minha criação, a guardachuvalogia, uma ciência? Permita-me que explique a situação. De há dezoito anos para cá que, conjuntamente com alguns fieis discípulos, venho recolhendo informações relacionadas com um objecto até agora negligenciado pelos cientistas — o guarda-chuva. O resultado da minha investigação, até à presente data, encontra-se reunido em nove volumes que vos envio separadamente. Deixe-me, antecipando a sua leitura, descrever brevemente a natureza dos conteúdos aí apresentados e o método que empreguei na sua compilação. Comecei pelas ilhas. Passando de quarteirão em quarteirão, de casa em casa, de família em família, de indivíduo em indivíduo, descobri: 1) o número de guarda-chuvas existentes, 2) o seu tamanho, 3) o seu peso, 4) a sua cor. Tendo coberto uma ilha, passei às restantes. Depois de muitos anos, passei à cidade de Lisboa e, finalmente, completei toda a cidade. Estava então pronto a continuar o trabalho passando para o resto do país e, posteriormente, para o resto do mundo.
Foi neste ponto que me aproximei do meu amigo de outrora. Sou um homem modesto, mas senti que tinha o direito de ser reconhecido como o criador de uma nova ciência. Ele, por outro lado, afirmou que a guardachuvalogia não era de todo uma ciência. Primeiro, disse ele, é uma tolice estudar guarda-chuvas. Este argumento é mau, uma vez que a ciência se ocupa de todo e qualquer objecto, por muito humilde e abjecto que seja, até mesmo da «perna de trás de uma pulga». Sendo assim, por que não guarda-chuvas? Depois, ele afirmou que a guardachuvalogia não poderia ser reconhecida como uma ciência porque não trazia qualquer benefício ou utilidade para a sociedade. Mas não será a verdade a coisa mais preciosa na vida? E não estão os meus nove volumes repletos de verdades acerca do meu objecto de estudo? Cada palavra é verdadeira. Cada frase contém um facto firme e frio. Quando ele me perguntou qual era a finalidade da guardachuvalogia, senti-me orgulhoso em dizer «Procurar e descobrir a verdade é finalidade suficiente para mim». Sou um cientista puro; não tenho motivos ulteriores. Daqui se segue que a verdade seja suficiente para me sentir satisfeito. A seguir afirmou que as minhas verdades estavam datadas e que qualquer uma das minhas descobertas poderia deixar de ser verdadeira amanhã. Mas isto, disse eu, não é um argumento contra a guardachuvalogia, é sim um argumento para a manter actualizada, que é precisamente o que pretendo fazer. Façamos levantamentos mensais, semanais, ou mesmo diários, de modo a que o nosso conhecimento se mantenha actualizado. A sua objecção seguinte foi afirmar que a guardachuvalogia não continha hipóteses e que não tinha desenvolvido leis ou teorias. Isto é um grande erro. Utilizei inúmeras hipóteses no decurso das minhas investigações. Antes de entrar num novo quarteirão e numa nova secção da cidade coloquei hipóteses relacionadas com o número e com as características dos guarda-chuvas que aí seriam observados, hipóteses essas que foram, de acordo com o correcto procedimento científico, ou verificadas ou anuladas pelas minhas subsequentes observações. (De facto, é interessante notar que posso comprovar e documentar cada uma das minhas respostas a estas objecções com numerosas citações de trabalhos fundamentais, de revistas importantes, de discursos públicos feitos por cientistas eminentes, etc.) No que respeita a teorias e leis, o meu trabalho é abundante. Mencionarei, a título de exemplo, apenas algumas. Existe a Lei da Variação da Cor Relativa à Posse pelo Género. (Os guarda-chuvas que são posse das mulheres tendem a ter uma grande variedade de cores, ao passo que aqueles que são posse dos homens são quase sempre pretos.) Apresentei, para esta lei, uma exacta formulação estatística. (Veja-se vol. 6, apêndice 1, quadro 3, p. 582). Existem as Leis dos Possuidores Individuais de uma Pluralidade de Guarda-chuvas e as Leis da Pluralidade dos Possuidores de Guarda-chuvas Individuais, leis curiosamente inter-relacionadas. A inter-relação, na primeira lei, assume a forma de uma quase directa ratio com o rendimento anual, e a segunda, uma quase relação inversa com o rendimento anual. (Para uma formulação exacta das circunstâncias modificadoras veja-se vol. 8, p. 350). Há também a Lei da Tendência para Adquirir Guarda-chuvas em Tempo Chuvoso. Para esta lei forneci verificação experimental no capítulo 3 do volume 3. Realizei, igualmente, numerosas outras experiências relacionadas com a minha generalização.
Por conseguinte, creio que a minha criação é, em todos os aspectos, uma ciência genuína, e apelo para a vossa comprovação da minha opinião.

John Sommerville
Tradução e adaptação de Luís Filipe Bettencourt
Citado por David Boersema in "Mass Extinctions and the Teaching of Philosophy of Science" (Teaching Philosophy, vol. 19, n.º 3, September 1996, pp. 263-264).

domingo, 12 de setembro de 2010

OAB contra plágio no ensino


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Foto da matéria

Ricardo Bacelar, presidente da Comissão de Direitos Culturais da OAB-CE, é autor da proposta

DIVULGAÇÃO
23/4/2010
A Ordem vai sugerir que universidades utilizem programas para detectar fraudes em trabalhos acadêmicos

O plágio na elaboração de trabalhos acadêmicos está no centro de uma polêmica. A Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE) está preparando um dossiê que recomenda a utilização de tecnologia antiplágio em universidades públicas e privadas para apontar possíveis fraudes em relação à autoria de trabalhos de conclusão de disciplinas, artigos, monografias e dissertações.

O material vai incluir diversas informações acerca dos softwares já disponíveis no mercado e utilizados por várias universidades. Ele será encaminhado, nos próximos dias, ao Ministério da Educação, Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), secretários de Educação e Cultura do Estado e Conselho Federal da OAB, além das instituições de ensino superior do Ceará.

Conforme o presidente da Comissão de Direitos Culturais e diretor da OAB-CE, Ricardo Bacelar, além de cometer um crime contra as leis que regem a propriedade intelectual, quem se apropria da obra de terceiros sem autorização e sem a referência devida está produzindo danos irreparáveis à pesquisa e ao próprio aprendizado.

"Muitos alunos não sabem escrever, não sabem compor um texto que possua sentido, elaborar uma ideia original e, pior de tudo, não aprendem a pensar e a desenvolver o senso crítico", ressalta. "Ou seja, o plágio compromete as formações acadêmica e moral dos estudantes".

Bacelar afirma que a ideia da recomendação surgiu da necessidade de divulgar os softwares existentes e que já são utilizados com sucesso por diversas instituições no Brasil e no exterior. "Muitas vezes, o que falta é informação. Os recursos existem", diz ele.

Para o chefe da Divisão de Pós-Graduação Stricto Sensu, em exercício, da Universidade de Fortaleza (Unifor), Paulo Sávio Peixoto Maia, a cultura da cópia dos trabalhos acadêmicos se disseminou graças à massificação da informação, principalmente pela internet. "É ilícito, mas as pessoas ficam cada vez mais tentadas pela facilidade", acrescenta.

O professor admite que, em muitos casos, é difícil comprovar a fraude, mas alguns aspectos, como a mudança de estilo entre parágrafos, podem ser observados. Ele destaca, ainda, a importância da experiência dos professores, desde a elaboração dos trabalhos até sua defesa. "Qualquer ferramenta que venha para facilitar é bem-vinda, mas nada substitui o olhar atento dos profissionais".

Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=772953


Assista ao vídeo da Mesa Redonda: Autoria e plágio na era digital:


E também este vídeo:

Plágio


A responsabilidade do professor também é ressaltada pela professora de Direito, Andrea Chiesa

 


Antonio*, professor de um curso superior em Campo Grande, pediu aos seus alunos uma resenha sobre um livro. Quando recebeu os textos, uma surpresa: vários textos iguais, com as mesmas palavras, na mesma seqüência e, apesar do nome no cabeçalho do trabalho, o mesmo autor, um colega de faculdade que havia publicado uma resenha sobre o livro na internet anos atrás.

Essa é só mais uma das histórias de plágio que acontecem em escolas, faculdades, cursos técnicos, entre outros locais de ensino, mas por que o popularmente conhecido “control c control v” está tão presente na educação brasileira?

Márcia Bertola, professora do curso de Pedagogia, acredita que falta incentivo à pesquisa. “É preciso apaixonar-se pela leitura, formar pesquisadores, o que temos são copistas e não é incentivada a pesquisa, é preciso ser um pouco cientista, estimular a ler e se interar sobre o que acontece no mundo”, afirma a professora.

A responsabilidade do professor também é ressaltada pela professora de Direito, Andrea Chiesa. “Às vezes, o que o professor pede é fora da realidade do sujeito ou pede coisas exageradas, o professor não pode ter preguiça, quanto mais maçante, menos plágio ele vai encontrar nos trabalhos, por exemplo, se você pergunta para o aluno o que é tal coisa, ele entra na internet e copia mesmo, mas se você pede a opinião dele ou exemplo dele sobre aquilo, é muito mais difícil encontrar plágio”, acredita a professora.

Mas quando é feito um texto e utiliza-se o textos de outros autores em forma de citação, não há problema. É o que acredita o professor Paulo Godofredo, do Curso de Gestão de Recursos Humanos: “O problema é que, ao invés de produzir, ele se apossa como se fosse dele, é uma apropriação ilegal. Tem que pesquisar, citar e dar o parecer dele, o que ele entendeu do texto”.

Punir e mudar

Para a pedagoga Daniela Gil, coordenadora pedagógica da FCG(Faculdade Campo Grande) e professora há 18 anos, o problema está enraizado no sistema educacional, que deixa de punir atitudes prejudiciais ao ensino. “É a lei de Gérson desde pequeno, querendo tirar vantagem em tudo desde cedo, há uma cultura educacional e familiar que incentiva isso, além de também faltar punição para o plágio. Em vez de punir, faz o ‘dessa vez passa’, e essa cultura não muda”, avalia a coordenadora.

Com mais de 20 anos ensinando, o professor Ricardo Leite atua no ensino superior e faz parte do grupo de trabalho da escola em tempo integral, que começa a funcionar este ano em Campo Grande, com a proposta de tornar o aluno um “autor”. Para ele é preciso mudar profundamente: “Sinto dessa forma, está em todos os níveis. Para mudar isso é preciso mudar o modelo educacional, que é baseado na memorização, é uma mudança de métodos, de cultura”.

Agarre-me se puder

Apesar de facilitar o plágio, a Internet não é vista só como vilã nessa história. Para os professores, o método é sempre o mesmo para identificação de cópia. “É só colocar algumas palavras-chave no Google que aparece de primeira”. Isso quando os alunos não esquecem alguma pista importante: “eu já peguei apresentação que os alunos copiaram integralmente e não tiraram nem o nome da empresa original”, conta o professor Godofredo.

O professor Ulisflávio Evangelista, de Rádio e TV, conta que consulta na internet os artigos feitos e há sempre um grande índice de plágio “chega a 90% em artigos, em monografia o número é menor”.

“O perigo maior reside nos trabalhos de monografia, isso sim é complicado, eu mesmo já reprovei três por conta de plágio, dois desconheciam o conceito de plágio e o terceiro foi mal intencionado mesmo”, conta o professor Jenner Ferreira, de Engenharia da Computação, que descobriu as cópias pesquisando no Google e “em uma delas o menino usou um capítulo inteiro de um livro e deu azar porque eu tinha recém comprado [o livro]”.

Super Nanny

Mas o que deve ser feito quando identificar um plágio? O professor Ricardo Leite recomenda: “tem que discutir com o aluno, explicar o problema ético, ele tem que entender os motivos, não só punir. Pode até levar o autor para conversar”.

Quando são pegos por plágio, os alunos costumam justificar da mesma forma. “Eles dizem que trabalham o dia todo e que não tiveram tempo para fazer. Mas quando eu peço um trabalho já aviso que não aceito cópia integral, para vários alunos eu devolvi e mandei fazer de novo, valendo menos”, diz o professor Paulo Godofredo.

Alguns ainda querem mérito pelo que fizeram. “Dizem que não tinha nada para consultar, que todo mundo faz e que falta tempo, é um problema crônico, eles acham que o professor tem que aceitar”, relata a professora Elaíne Brito Castro, de Fisioterapia.

Alunos strikes back

Do lado dos alunos, a falta de atenção dos professores pesa também na hora de dedicar mais ou menos tempo ao que é pesquisado e produzido. Roberto* conta que durante os anos que estudou Direito, em Campo Grande, ele e os colegas sabiam que alguns professores não corrigiam os trabalhos e por isso entregavam o que era pedido com algumas modificações.

“Em Direito há vários entendimentos sobre um tema e o professor pedia esses entendimentos, e a gente inventava autor e entendimento, eu era mais discreto, e citava nomes normais. Tinha colega que colocava coisas grotescas, como Ayrton Senna, Tim Maia, Edson Arantes do Nascimento e Maria das Graças Xuxa Meneghel. Nunca teve um professor que atentasse para isso. Sempre tivemos notas boas”, conta o ex-aluno.

Maria*, aluna de uma faculdade da Capital, não teve a mesma sorte que Roberto. Em sua monografia de conclusão de curso ela foi reprovada, os professores identificaram o plágio de uma outra monografia. "Eu estava grávida, sem tempo, sem cabeça para fazer a monografia, não queria deixar para depois do nascimento da minha filha, eu me arrependo, mas agora vou fazer tudo certinho", conta a acadêmica, que deve tentar novamente o diploma em 2009. 
Fonte: Campo Grande News

Houellebecq: o Ctrl+C/Ctrl+V como ‘método’

“Isso é parte do meu método”, disse o escritor francês Michel Houellebecq a uma rádio de Paris (trechos da entrevista são reproduzidos hoje pelo jornal inglês “The Independent”), em resposta à acusação de plágio que lhe foi feita semana passada pela revista eletrônica Slate.fr, que flagrou em seu recém-lançado romance La carte et le territoire longos trechos copiados da Wikipedia.
“Se esses caras pensam isso, não têm a menor ideia do que é literatura”, contra-atacou Houellebecq. “Essa abordagem, a da mistura de documentos reais com ficção, foi usada por muitos autores. Fui influenciado especialmente por Perec e Borges. Acredito que usar esse tipo de material contribua para a beleza dos meus livros.”
Para a promoção deles certamente contribui. Único nome da ficção francesa contemporânea a gozar de uma aura de estrela midiática, Houellebecq conseguiu mais uma vez provocar uma boa polêmica. A diferença é que agora, em vez das acusações de misogia ou islamofobia que pairavam sobre seus livros anteriores, surge a atualíssima questão dos limites entre o plágio e o sampling literário.
A jovem escritora alemã Helene Hegemann meteu-se em confusão parecida no início deste ano. Mas com Houellebecq, autor consagrado, o assunto ganha mais destaque e relevância. Como Hegemann, ele não deu crédito às fontes em que foi pós-modernamente buscar os retalhos da sua colcha. Isso não seria má-fé?
A discussão vai longe, mas os trechos quase idênticos descobertos pela Slate.fr ao confrontar o romance com verbetes da Wikipedia.fr são constrangedores. Está certo que, contextualizados numa obra de ficção, eles ganham outro sentido e não são mais que um grão de sal na ratatouille. Isso provavelmente torna exagerada a acusação de plágio, mas… e a de preguiça, não conta?

Por: Sérgio Rodrigues

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Mordaças e palmadas - Lya Luft

Lya Luft

Aqui não vai crítica a pessoa alguma: vão dúvidas e preocupações - com povo e governo ou governos. Democracia e liberdade. Conceitos difíceis, confusos. esquecidos e negligenciados. Leio, escuto, percebo aqui e ali algum projeto de amordaçamento da imprensa, por exemplo.

Logo que se manifesta, surgem protestos, e as garras se escondem de novo na manga. Mas a ideia volta mais adiante. e isso se repete. Vamos controlar mais, via estado. os meios de comunicação: jornais, televisões, revistas, rádios. Isso de veicular qualquer coisa. ou ter liberdade demais. não convém. O país ainda está imaturo. o povo, desinformado, vamos controlar isso.

Sim. o povo anda mal informado. O número de analfabetos é assustador, e mais uma vez, cansativamente quem sabe. repito: alfabetizado não é quem assina o nome, mas quem assina o nome em um documento que leu e compreendeu. Sua porcentagem neste país é um desastre. Investir em educação, maciçamente. em vez de pensar em amordaçar os meios de comunicação, poderia ser uma ideia magnífica.

Escolas boas, professores estimulados, acesso fácil a todos, bons curriculos, merenda farta, dia inteiro para os mais desvalidos. Ensino médio de boa qualidade, acessível a todos, mesma coisa quando a professores. Universidade ótima, e escolas técnicas superiores abundantes, acabar com o preconceito de qie temos de ser bacharéis.

Esse seria o verdadeiro gesto de liberdade democrática para o país e o povo, jamais controlar a manifestação livre de ideias, desejos, esperanças, necessidades e protestos. Nem querer nivelar por baixo nem limitar, como pensar em reduzir ou até proibir séries americanas nas TVs brasileiras: queremos o atraso, ser Cuba ou Venezuela. ou nos integrar ao mundo mais adiantado, incentivar a boa produção de programas de TV e de filmes brasileiros, em vez de cercear?

Outro tema, agora atualíssimo, é a interferência em assuntos tão pessoais quanto a educação dos filhos. A mim o tema "palmada" parece um pouco ridículo, num momento de eleições iminentes. quando precisamos estar sérios, lúcidos. focados no assunto "quem vai nos governar nos próximos quatro anos. como, com que ideias e meios". Crianças e jovens, filhos em geral, já são protegidos por leis suficientes. Se elas não forem respeitadas, e sua quebra não for punida. não vai adiantar nada inventar novidades. Vamos aplicar e vigiar o que já existe. E não acho que o "projeto palmada" funcione sem grande confusão. Primeiro problema, o do controle: quem vai denunciar pai ou mãe que derem palmada (e não pode nem aquela branda, carinhosa chamada de atenção por cima da gorda fralda): o vizinho intrometido, a vizinha invejosa, a babá em aviso prévio, a comadre neurótica, a sogra chata. O ex-cônjuge vingativo? Eu gostaria de saber, só para começar, quem vai lidar com a avalanche de denúncias loucas. injustas e irreais que vão atravancar delegacias, postos de polícia e semelhantes.

Violência as vezes se justifica, sim. como para controlar violência. segurar alucinados, prender bandidos, dominar violentos assassinos. Mas nem mesmo violência verbal deveria reinar nas famílias: um insulto pode doer bem mais do que um tapa. brigas entre os pais fazem mais mal do que uma palmadinha, acreditem. Então, o conceito de que violência em casa é negativa e tem de ser punida já existe. Basta aplicar as regras e leis. Mas a tal lei da palmada, me perdoem: parece-me irreal, inexequível, geradora de muita confusão e de indevidas intromissões no lugar que deveria ser o mais nosso. o mais pessoal. nosso refúgio. nosso reino, nosso santo dos santos: a casa, a família. o lar.

Mas como as coisas entre nós. e neste vasto mundo. andam mais para confusão e doideira do que para lucidez e serenidade. como estamos mais violentos, policialescos. alucinados, assustados e assustadores do que firmes, elegantes, sábios, pacíficos e ordenados, tudo pode ser esperado. tudo é possível, e vamos nos habituando a viver na estranheza, na esquisitice. protegendo-nos como podemos de atos, fatos e ideias bizarros.

Fonte: Artigo publicado na revista VEJA em 2/8/2010

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Como as redes sociais podem mudar a história

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Curta - A história das coisas

Este vídeo mostra os problemas sociais e ambientais criados como consequência do nosso hábito consumista, apresenta os problemas deste sistema e mostra como podemos revertê-lo, porque não foi sempre assim.

Dublagem: Nina Garcia



Ilha das Flores - Um dos Clássicos Curta Experimental - Jorge Furtado

Um ácido e divertido retrato da mecânica da sociedade de consumo. Acompanhando a trajetória de um simples tomate, desde a plantação até ser jogado fora, o curta escancara o processo de geração de riqueza e as desigualdades que surgem no meio do caminho.


Capitalismo E Moderna Teoria Social - Anthony Giddens

Link: http://www.mediafire.com/?qcxt1tigi4hhkj2

Os sete saberes necessários à educação do futuro - Edgar Morin

Link: http://www.4shared.com/document/tKNRzt5W/MORIN_Edgar_Os_sete_saberes_ne.html

A era dos direitos - Norberto Bobbio

Link: http://www.4shared.com/document/CoSe7JF5/Norberto_Bobbio_-_A_Era_dos_Di.html

Felicidade – diálogos sobre o bem estar na civilização - Eduardo Giannetti

Link: http://www.4shared.com/document/OuXJrt3U/GIANETTI_Eduardo_Felicidade_di.html

A ciência e as ciências - Gilles-Gaston Granger

Link: http://www.4shared.com/document/I_hLzK3a/GRANGER_Gilles__Gaston_A_cinci.html

Eduardo Bueno: como a história se repete no Brasil


O jornalista Eduardo Bueno (Divulgação)
Um povo que não conhece a própria história está fadado a repeti-la. E, é o que se diz, o brasileiro não tem memória. Embora chavões, essas sentenças são, para o jornalista Eduardo Bueno, verdades que se cruzam de modo comprometedor para o Brasil. “Lula se anunciando como pai do povo no horário eleitoral é uma repetição de Getúlio Vargas”, diz. “O que revela que o Brasil ainda é um país com viés paternalista, onde as pessoas acham que a solução tem de vir dos outros, que a sua responsabilidade é quase nenhuma.” Autor de numerosos e bem vendidos livros de história, Bueno está sempre de olho no país. Um olhar que, para alguns especialistas, carece de formação acadêmica.
Ainda que não seja unanimidade entre historiadores, com cerca de 600.000 exemplares comercializados, Bueno é um fenômeno editorial. O primeiro do hoje avolumado nicho de livros de história, que inclui nomes como Laurentino Gomes, autor de 1808 e 1822, livro a caminho do mercado, Mary Del Priore, autora de Uma Breve História do Brasil e o também jornalista Leandro Narloch, autor de Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil – os dois úlrimos estão na lista de livros mais vendidos de VEJA, para onde Laurentino deve rumar. “Eu inventei esse mercado”, diz Bueno, sem falsa modéstia. E sem mentir. Foi a partir do estouro de Brasil: uma História – Cinco Séculos de um País em Construção, lançado em 2000 e relançado agora pela Leya, nova editora do gaúcho, que surgiram forças como a de Laurentino. Comenta-se, no mercado, que o autor de 1808 recebeu um adiantamento de cerca de 1 milhão de reais para publicar 1822 pela Ediouro (controladora da Nova Fronteira desde 2006) – cerca de 500.000 reais pelo livro e a mesma quantia por outros produtos.
Em entrevista a VEJA Meus Livros, Eduardo Bueno fala do surgimento e do crescimento do mercado de livros de história, da polêmica com acadêmicos e, é claro, de Brasil. Trecho de ‘O Brasil de Lula e do PT’, de ‘Brasil: uma História’.
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Por que livro de história vende tanto no Brasil: é carência de intelecto ou de identidade?
O Brasil é um país espantoso, que deixa a gente inseguro quanto ao futuro. Agora, um pouco menos, por causa da aparente estabilidade da era Lula, que não se revelou o comedor de criancinhas que todos temiam. Mas acho que existe de fato uma curiosidade sobre o futuro do Brasil e isso desperta também interesse pelo seu passado. É aquela coisa de “Quem somos, de onde viemos, para onde vamos”. E tem também uma questão de identidade. As pessoas me perguntam muito, nas palestras que eu dou, se determinados hábitos que temos são mesmo legado português. É uma crise de identidade, e a introjeção de uma mentalidade colonizada. Mas, olha, cara, não se vendia assim antes de mim. Falo isso independentemente de ego.
Se esse terreno ainda era incerto quando você começou, por que decidiu se arriscar nele?
Primeiro, porque história era um assunto de que eu gostava. Segundo, porque, pela minha experiência no mercado editorial, sentia que havia uma demanda reprimida por livros de história no país. Eu percebia essa demanda desde os anos 1980, quando fiz uma coleção na editora LP&M sobre os grandes viajantes do período colonial – o Américo Vespúcio, o Cristóvão Colombo e o Pero Vaz de Caminha – e aquilo explodiu, vendeu muito. Então, eu ampliei a coleção e incluí Marco Pólo, que entrou para a lista de mais vendidos de VEJA, cara.


Foi aí que você resolveu escrever os próprios livros de história?
Teve mais uma coisa que contribuiu para a minha decisão. Três que caras confirmaram o que eu pensava: o Fernando Moraes, com o best-seller Olga, meu amigo Jorge Caldeira, o Cafu, que vendeu 180.000 exemplares de Mauá, e o Ruy Castro, que não faz exatamente história, mas livros com substrato ligado à área, como biografias de grandes brasileiros. Eu olhava tudo isso e me dizia, “É óbvio que as pessoas querem uma história do Brasil com mais sangue, com mais vida, com personagem de carne e osso, com mais ação e aventura, e com um texto jornalístico, não acadêmico”. E vi que havia um longo período do Brasil a ser explorado: o colonial. Porque esses três caras que eu citei trabalhavam com o passado recente, com o século XX – mesmo o do Barão de Mauá, porque ele, ao defender a industrialização do Brasil no século XIX, foi uma espécie de arauto do que viria. Resolvi ir fundo e pegar aquilo que estava aprisionado na sala de aula. Percebi que um livro com viés jornalístico iria atingir um público que estava querendo isso. Além do mais, estava se aproximando a comemoração dos 500 anos do Brasil, era um ótimo gancho para Brasil: uma História.



O que você costuma dizer aos que o criticam por não ter formação como historiador?
Pois é, até se criou uma falsa polêmica aí com alguns historiadores. Olha, preciso dizer que todos os historiadores que eu gosto e admiro são a favor do meu trabalho: o Nicolau Sevcenko, a Lilia Swcharcz, o José Murilo de Carvalho. Eles reconhecem que os meus livros despertaram um interesse sem precedentes por história colonial do Brasil. Mas dentro de certos círculos da academia houve, sim, revolta, indignação e o “feio sentimento da inveja”, como diz o meu amigo Augusto Nunes. Medíocres se manifestaram, dizendo que eu não estava preparado para fazer análises interpretativas, do que eu discordo.
Mas também acusaram você de cometer erros factuais. Isso procede?
Olha, cara, deve ter havido algum deslize típico de jornalista – com coisas menores. A edição original de A Viagem do Descobrimento teve 23 erros, depois corrigidos, e 21 deles eram de conversão de pesos e medidas – de léguas para quilômetros, por exemplo. Eu fiz os cálculos de cabeça e errei todos.


É verdade que você vai ficar milionário na Leya (risos)?
Eu ainda estou negociando valores com o Pascoal Soto (editor da Leya), mas não faço livro por menos de 120.000 reais, pagos como adiantamento – mais a porcentagem das vendas feitas a partir da reposição desse valor adiantado. E vai vir bastante coisa por aí. Eu escrevi 18 livros institucionais, obras feitas sob encomenda para empresas, por meio de contratos que me garantem a posse da obra após dois ou três anos. Três deles já retornaram para mim e o Pascoal quer lançar. Um, Avenida Rio Branco, é sobre a antiga avenida Central do Rio e foi escrito em comemoração dos cem anos da Caixa Econômica Federal, criada nessa via. Outro, o Passado a Limpo, que a princípio não deveria ir para o mercado, mas acabou indo, é sobre a história da higiene no Brasil e foi feito para a Kimberly & Clark. O terceiro se chama Produto Nacional e fala da história da industrialização no Brasil, a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI).



Ao revisar Brasil: uma História, você fez mudanças apenas factuais ou também conceituais?
Sim. A maior parte das mudanças foi cosmética, mas fiz três alterações no conteúdo, duas porque a minha interpretação sobre os fatos mudou e outra porque surgiram novas evidências históricas – afinal de contas, e essa é uma coisa maravilhosa, o passado está sempre mudando, a história está sempre em construção. Tive de mudar a parte da pré-história devido aos novos descobrimentos arqueológicos no Brasil. E a parte dos jesuítas eu modifiquei porque, ao escrever o livro A Coroa, a Cruz e a Espada, para a coleção Terra Brasilis, eu estudei bastante a contra-reforma e concluí que a influência dos jesuítas havia sido mais nociva do que eu imaginava, por conta da supressão do hábito deleitura e do conhecimento. A reforma luterana estava toda ligada à leitura – da Bíblia e dos panfletos de Lutero. E na contra-reforma, articulada no Vaticano, mas posta em prática em Portugal e na Espanha, a leitura era tida como algo prejudicial. Outra alteração conceitual veio da minha pesquisa para Produto Nacional, quando eu concluí que D. Pedro II havia sido uma força reacionária com relação à indústria e à modernização. Ele tem um lado de que eu sempre gostei, o do interesse intelectual, que o levou a criar o Instituto Histórico e Geográfico, e o de conduzir sem estresse

suas relações com o Parlamento. Mas ele apostou no binômio escravidão-cafeicultura e obstaculizou o Mauá.


Pensando nessa reconstrução constante, você continua a ver o Brasil como a pátria do jeitinho, do corporativismo e da cordialidade?
Cada vez mais e no pior sentido. Somos a pátria do compadrio, do coronelismo, do nepotismo, da burocracia gigantesca e ineficiente, da falta de cidadania, de uma política tradicional podre, do jeitinho mais rasteiro. Piorou, pô. Claro que existe um outro lado, telúrico, da terra, do corpo do Brasil, que eu amo, a energia geológica e geográfica. E também certos aspectos do povo brasileiro, suas cores e sons, o lance do futebol. Mas o Brasil institucional é brabo.


Você é fã de On The Road, de Jack Kerouac. Não houve convite para colaborar com o filme do Walter Salles?
Não, e a minha cara de pau tem limite. Eu não consegui me oferecer. Mas o Walter Salles me mandou um e-mail, dizendo que quer fazer algo baseado em A Coroa, a Cruz e a Espada. É esperar para ver.
Maria Carolina Maia

Fonte: Revista Veja Online. Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/meus-livros/