Discurso de saudação a Cora Coralina
Por: Magna Campos
(Discurso de posse na Academia de Letras do Brasil)
Em
primeiro lugar, agradeço a todos os membros da Academia de Letras do Brasil-
unidade Mariana pela possibilidade de integrar a esse grupo e de fazer parte
dessa Casa, para nela ocupar a cadeira de nº 18. Cadeira essa que escolhi ter
por patrona a poetisa e contista Cora Coralina.
Cora
nasceu Ana Lins dos Guimarães Peixoto, em 1889, em Vila Bôa de Goyas, e fez de
sua relação com a vida um motivo a ser escrito em seus versos livres, tecido no
caminho das pedras de sua existência. Pois é ela mesma, por meio de uma
descrição poética no poema Das Pedras, que
se diz como sendo aquela mulher que fez a
escalada da montanha da vida removendo pedras e plantando flores.
Uma
mulher que só conseguiu publicar seu primeiro livro já no tarde da vida, viúva
e vestida de seus cabelos brancos; com mais de 70 anos... E que, mesmo tendo
cursado apenas até a antiga 3ª série do grupo, não se deixou engolir pela hostilidade
dos familiares e pela falta de estímulos sociais e econômicos para ser literata.
Cora, que sentia no fundo de seus
reservatórios secretos, um vago desejo de analfabetismo e que, ainda assim,
SOBREVIVEU, recompondo-se aos bocados,
dos rígidos preconceitos do passado. Recriando-se sempre, sempre graças aos
olhos inquietos de criança que não a abandonaram jamais e também às muitas
leituras feitas ao longo de sua trajetória. A escola da vida, diz Cora,
suplementou-me as deficiências da escola primária. E foi assim, já em seu 3º
livro publicado, abrindo caminhos difíceis, que ela nos chega:
[abro
aspas]
Sem referências a mencionar.
Nenhum primeiro prêmio.
Nenhum segundo lugar.
Nem menção honrosa.
Nenhuma láurea.
[fecho
aspas]
E
pede passagem na vida literária brasileira...
Cora
expressou com singularidade, em seus escritos, o seu tempo e a ligação com seu
meio. Imprimiu aos seus textos a marca do oral e dos causos interioranos. Uma verdadeira contadora de histórias, não da
história oficial, registrada nos anais da cidade de Goiás, mas a história dos
que não têm voz; a sabedoria dos anônimos.
Mulher
que, quando indagada, respondia: _ Cora,
uma poetiza? Não! Cora uma mulher da luta, uma doceira! E que dizia
escrever porque sua mão coçava, em virtude das palavras que precisavam ser
“cristalizadas”, tal qual seus famosos doces. Uma mulher que se entrega ao
ofício e à identidade de doceira como réplica às dificuldades encontradas para
publicar seus textos. É dela mesma essa afirmativa descrita no poema Quem é
Você:
“Sendo eu mais doméstica do que intelectual,
Não escrevo jamais de forma consciente e raciocinada,
E sim impelida por um impulso incontrolável...
[Pois] Nasci para escrever, mas, o meio,
O tempo, as criaturas,
Contra-marcaram a minha vida.”
Em
suas memórias, delineadas em versos, Cora abre os porões de suas lembranças e se
lê como sendo Aninha; aquela do Rio Vermelho, da Casa Velha da Ponte...uma mulher
marcada pela coragem, pelo fazer, pelo contar, pelo viver, e tão lindamente
descrita na seguinte passagem:
Sou mulher como outra
qualquer.
Venho do século
passado
E trago comigo todas
as idades.
Demonstra-nos no livro Vintém de Cobre – Meias Confissões
de Aninha, admirável entendimento do poder da escrita, especialmente da sua, ao
afirmar: Quando eu morrer, não morrerei
de tudo.
Estarei sempre nas páginas deste livro,
Criação mais viva da
minha vida interior em parto solitário.
Assim ela partiu, levou seus
doces, mas nos deixou os versos. E hoje, nesta oportunidade singular, eu a saúdo,
Cora Coralina! Esteja, também, revivida aqui, nesta cadeira que honrosamente a
terá por patrona. Brinda-nos com sua doçura poética, com sua mão coçante, com
seu olhar inquieto de criança, com sua modéstia e sensibilidade, enfim, com seu
gesto criador. Ajuda-nos a indagar
sempre por quantas Aninhas corajosas, pouco estudadas, existirão esparrodadas
pelo Brasil afora? Quantas Aninhas cujas histórias e poesias não conseguiram
vencer as pedras do caminho, assim como você vencera, levantando das pedras que lhe esmagavam a pedra
rude dos seus versos? Por isso, Cora, dignifica, com sua conquistas, essa
cadeira, em nome das muitas mulheres, jovens ou velhas, das quais não escutamos
sequer os sussurros e, também, em nome de todas as que se arriscam nas letras, removendo pedras e plantando flores.
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