Caro Senhor
Tomo a liberdade de me dirigir a si rogando-lhe que seja o juiz numa  disputa entre mim e uma pessoa minha conhecida que já não posso  considerar um amigo. A questão em discussão é a seguinte: É a minha  criação, a guardachuvalogia, uma ciência? Permita-me que explique a  situação. De há dezoito anos para cá que, conjuntamente com alguns fieis  discípulos, venho recolhendo informações relacionadas com um objecto  até agora negligenciado pelos cientistas — o guarda-chuva. O resultado  da minha investigação, até à presente data, encontra-se reunido em nove  volumes que vos envio separadamente. Deixe-me, antecipando a sua  leitura, descrever brevemente a natureza dos conteúdos aí apresentados e  o método que empreguei na sua compilação. Comecei pelas ilhas. Passando  de quarteirão em quarteirão, de casa em casa, de família em família, de  indivíduo em indivíduo, descobri: 1) o número de guarda-chuvas  existentes, 2) o seu tamanho, 3) o seu peso, 4) a sua cor. Tendo coberto  uma ilha, passei às restantes. Depois de muitos anos, passei à cidade  de Lisboa e, finalmente, completei toda a cidade. Estava então pronto a  continuar o trabalho passando para o resto do país e, posteriormente,  para o resto do mundo.
Foi neste ponto que me aproximei do meu amigo de outrora. Sou um  homem modesto, mas senti que tinha o direito de ser reconhecido como o  criador de uma nova ciência. Ele, por outro lado, afirmou que a  guardachuvalogia não era de todo uma ciência. Primeiro, disse ele, é uma  tolice estudar guarda-chuvas. Este argumento é mau, uma vez que a  ciência se ocupa de todo e qualquer objecto, por muito humilde e abjecto  que seja, até mesmo da «perna de trás de uma pulga». Sendo assim, por  que não guarda-chuvas? Depois, ele afirmou que a guardachuvalogia não  poderia ser reconhecida como uma ciência porque não trazia qualquer  benefício ou utilidade para a sociedade. Mas não será a verdade a coisa  mais preciosa na vida? E não estão os meus nove volumes repletos de  verdades acerca do meu objecto de estudo? Cada palavra é verdadeira.  Cada frase contém um facto firme e frio. Quando ele me perguntou qual  era a finalidade da guardachuvalogia, senti-me orgulhoso em dizer  «Procurar e descobrir a verdade é finalidade suficiente para mim». Sou  um cientista puro; não tenho motivos ulteriores. Daqui se segue que a  verdade seja suficiente para me sentir satisfeito. A seguir afirmou que  as minhas verdades estavam datadas e que qualquer uma das minhas  descobertas poderia deixar de ser verdadeira amanhã. Mas isto, disse eu,  não é um argumento contra a guardachuvalogia, é sim um argumento para a  manter actualizada, que é precisamente o que pretendo fazer. Façamos  levantamentos mensais, semanais, ou mesmo diários, de modo a que o nosso  conhecimento se mantenha actualizado. A sua objecção seguinte foi  afirmar que a guardachuvalogia não continha hipóteses e que não tinha  desenvolvido leis ou teorias. Isto é um grande erro. Utilizei inúmeras  hipóteses no decurso das minhas investigações. Antes de entrar num novo  quarteirão e numa nova secção da cidade coloquei hipóteses relacionadas  com o número e com as características dos guarda-chuvas que aí seriam  observados, hipóteses essas que foram, de acordo com o correcto  procedimento científico, ou verificadas ou anuladas pelas minhas  subsequentes observações. (De facto, é interessante notar que posso  comprovar e documentar cada uma das minhas respostas a estas objecções  com numerosas citações de trabalhos fundamentais, de revistas  importantes, de discursos públicos feitos por cientistas eminentes,  etc.) No que respeita a teorias e leis, o meu trabalho é abundante.  Mencionarei, a título de exemplo, apenas algumas. Existe a Lei da  Variação da Cor Relativa à Posse pelo Género. (Os guarda-chuvas que são  posse das mulheres tendem a ter uma grande variedade de cores, ao passo  que aqueles que são posse dos homens são quase sempre pretos.)  Apresentei, para esta lei, uma exacta formulação estatística. (Veja-se  vol. 6, apêndice 1, quadro 3, p. 582). Existem as Leis dos Possuidores  Individuais de uma Pluralidade de Guarda-chuvas e as Leis da Pluralidade  dos Possuidores de Guarda-chuvas Individuais, leis curiosamente  inter-relacionadas. A inter-relação, na primeira lei, assume a forma de  uma quase directa ratio com o rendimento anual, e a segunda, uma  quase relação inversa com o rendimento anual. (Para uma formulação  exacta das circunstâncias modificadoras veja-se vol. 8, p. 350). Há  também a Lei da Tendência para Adquirir Guarda-chuvas em Tempo Chuvoso.  Para esta lei forneci verificação experimental no capítulo 3 do volume  3. Realizei, igualmente, numerosas outras experiências relacionadas com a  minha generalização.
Por conseguinte, creio que a minha criação é, em todos os aspectos,  uma ciência genuína, e apelo para a vossa comprovação da minha opinião.
John Sommerville
Tradução e adaptação de Luís Filipe Bettencourt
Citado por David Boersema in "Mass Extinctions and the Teaching of Philosophy of Science" (Teaching Philosophy, vol. 19, n.º 3, September 1996, pp. 263-264).
Citado por David Boersema in "Mass Extinctions and the Teaching of Philosophy of Science" (Teaching Philosophy, vol. 19, n.º 3, September 1996, pp. 263-264).
Disponível em: http://criticanarede.com/html/filos_ciencia2.html 
O Direito por ser um instrumento que tem como escopo atender as necessidades da sociedade e pelo fato da sociedade ser composta por individuos de diferentes niveis sociais, logo com diferenças existentes entre os níveis de linguagem, o discurso juridico utilizado pelos operadores de direito deve ser acessível a todas essas classes, para que o direito seja capaz de chegar a todas elas.
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