quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Linguagem Jurídica: o caso do juridiquês

Campanha pela simplificação da Linguagem Jurídica:


Vídeo Sobre a Linguagem Técnica Jurídica





COM COMPLEXIDADE NÃO HÁ IGUALDADE

           José e sua mulher estavam inquietos com a realização do julgamento que definiria se seriam (ou não) indenizados pela morte de seu filho, um jovem que, no auge dos seus 25 anos, caíra de um andaime enquanto trabalhava como pedreiro na construção de um prédio. José –  um agricultor nordestino – tinha  70 anos e nunca havia pisado num tribunal em toda sua vida, assim como sua mulher, a faxineira Dona Maria. O advogado do casal dava como certa a vitória judicial, posto que o andaime utilizado pela construtora, que empregava o rapaz, fora considerado impróprio pelo laudo de um perito. Desde o início da audiência, José não entendia quase nada do que era dito, tanto pelos advogados quanto pelo juiz. Para o agricultor, aquelas expressões e palavras mais pareciam pertencer a um outro idioma, oriundo de um lugar distante e de uma cultura muito antiga, da qual ele nunca havia ouvido falar.
            Data venia, senhores, creio que depois de ouvir um argumento tão arietino em relação ao inopinado óbito do jovem trabalhador, não haverá outra solução, que não seja o deferimento do pedido de seus pais. O aresto não pode mais ser procrastinado ! Fiat justitia ! –  disse o magistrado em tom profético.
           Mais uma vez, as palavras do juiz intrigaram José. Sentia-se mal por não conseguir compreender o que estava sendo dito, ainda mais pelo fato de que o objeto da discussão era uma questão tão importante para a sua vida. “Parece que eu sou incapaz de entender os meus próprios direitos!”, sussurrou para Dona Maria.
          – Não fica com essa cara não ! Logo, logo, o advogado vai dizer o resultado do julgamento para a gente! É claro que a gente não entende essas coisas que eles estão dizendo. Eles passaram anos estudando e lendo esses livros “mais grossos do que as listas telefônicas”! E você Zé?! Você pouco foi  à escola, nunca leu um livro, não sabe de nada, assim como eu! E, para falar a verdade, acho tão bonita e chique a forma como eles falam! –  disse ela.
          “Pode ser que ela tenha razão.”, pensou o agricultor. Mesmo assim, a curiosidade em relação ao que estava sendo dito pelo juiz e pelos advogados incomodava sua mente. Lembrou-se de ter ouvido, num certo momento, a expressão “actori incumbit probatio”. “Será que eles querem dizer que um ator encobriu algumas provas?”, se indagou. Depois , recordou-se de outra expressão utilizada pelo magistrado, algo como “ dies ad quem computatur in termino”. “Será que querem me dar só um computador como indenização?! Acho que ele está dizendo que assim eu vou terminar a minha luta por justiça!”, concluiu irritado. E os aforismos jurídicos não pararam por aí. Muitas outras máximas e palavras exóticas foram ditas pelo juiz e pelos advogados, como por exemplo “ubi eadem est ratio, idem jus” (que José interpretou como uma proposta de indenização, onde ele e a esposa receberiam o direito de comprar um rádio, financiado e sem juros). Já quase no final do julgamento, refletiu e deduziu que não havia entendido praticamente nada daquela audiência, tão aguardada por ele. “Já ouvi falar que a justiça é cega, mas quem parece  cego aqui sou eu, desnorteado nesta conversa tão complicada!”, pensou. Não conseguia aceitar a explicação de sua mulher e, num ato de ousadia, resolveu interromper a fala do juiz, dando-lhe o troco “na mesma moeda”:
        – Senhor Juiz, veja só: estou aqui “ na rosca da venta” com o senhor e não entendo nada do que o senhor fala! Estou me sentindo um verdadeiro “ ababacado”! Para entender o que o senhor e os advogados dizem, só “filando” a tradução de um papel. Que “vuco-vuco”  mais danado! Estou me sentindo como um “xeleléu” qualquer! É de “lascar o cano”! Isto já está me “abufelando”!
       Data venia, Senhor José. O senhor poderia repetir o que acabou de dizer? Não entendi! –  falou o magistrado ao ouvir aquelas curiosas palavras, quebrando assim o protocolo.
         Se, como eu, o senhor tivesse nascido no Nordeste, saberia o significado de tudo isso que acabei de dizer. Saberia que “na rosca da venta” é o mesmo que “ cara a cara”, que   “vuco-vuco” é  “confusão” , que “xeleléu” é “pessoa sem valor” e que “abufelar”  é “irritar”. Viu só como é ruim ouvir uma pessoa e não entender nada do que ela fala, principalmente quando ela está falando algo relacionado com sua vida?! Garanto que se eu também tivesse tido a oportunidade de estudar, como o senhor e estes advogados tiveram, entenderia todas estas “coisas” complicadas que os senhores estão falando aí. Por um acaso, a intenção do senhor é fazer com que eu não entenda o que está sendo julgado? É algum tipo de código? Não são os senhores mesmos que vivem dizendo que o poder deve vir do “povo e para o povo”?! Falando desse jeito eu acho meio difícil! – respondeu  o agricultor.
         Naquele instante, o juiz se deu conta da importância da manifestação de José. Como poderia um cidadão de pouca instrução entender um vocabulário tão erudito, dominado por pouquíssimos setores da sociedade brasileira? Não era aquela uma forma de garantir  poder sobre aqueles que não conseguiam entender a complexa linguagem usada no meio jurídico? Percebeu que toda aquela “pompa verbal” (até então vista por ele como apenas uma tradição do ritual jurídico) reforçava ainda mais a opressão e a gritante disparidade social existentes no Brasil. Tratava-se de uma afronta à democracia, posto que (na prática) impedia a compreensão e a utilização do Poder Judiciário por grande parte do povo brasileiro. Assim sendo, daquele dia em diante, resolveu contribuir ainda mais para a formação de uma sociedade verdadeiramente igualitária e justa: “aposentou” para sempre o “juridiquês”.
        

5 comentários:

  1. Rafaela Barreto Alves-(2PD)
    Os videos e o texto veio à mostrar como a linguagem jurídica é uma linguagem complexa que se não for usada de forma apropriada e em lugar apropriado, ela não vai ter seu verdadeiro sentido.E que essa linguagem dever ser uma linguagem mais formal para o entendimento de ambas as partes(Comunidade X Pessoas jurídicas)para que como no caso de José haja uma comunicação simples sem o "juridiqês".

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  2. Ambos vídeos destaca a distância e dificuldade de compreensão da comunidade em geral em relação aos profissionais do Direito no exercer de suas funções prevalecendo os termos técnicos, em relação a linguagem jurídica. É visível a não valorização e não aceitação das pessoas devido até mesmo a dificuldade na língua portuguesa. A AMD lançou uma cartilha para que toda população em geral possam adequar a esses termos sendo assim acessível a quem tiver interesse. Sempre haverá dificulades a todos nós mas cabe a todos um pouco de dedicação.

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  3. Na seara jurídica, a linguagem é complexa. Composta de várias palavras dificilmente encontradas no cotidiano de um pobre mortal,o qual tem a moral rebaixada por não entender o linguajar que o amedronta e impõe duvidas: seu Doutor e então? Ganhei ou perdi? Perguntas comuns em finais de processos. Muitas palavras em latim. Nem missa mais tem tantas palavras em latim! Não desmerecendo, é claro, o profissional do direito que merece respeito. Acredito que a linguagem do direito deveria ser menos complicada e que fosse igual de jogador de futebol: poucas palavras, simples e todos entendem.

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  4. Paulo Aleixo Filho
    Os vídeos e o texto analisados nos mostram que há uma dificuldade para a população que não trabalha na área jurídica de entender a linguagem específica da área,mas também a necessidade de se utilizar pois o direito é uma ciência e tem seus termos técnicos específicos.Com o difícil entendimento popular se percebe um distanciamento da comunidade em relação ao poder judiciário.Entendo que já chegou a hora de diminuir a utilização de alguns termos que servem só para demonstrar alguma superioridade em relação a pessoas comuns deixando a linguagem jurídica mais acessível e de melhor compreensão.

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  5. EDUARDO SILVA E WENER ALVIM 2P29 de novembro de 2010 às 22:30

    O profissional do Direito não pode se esquecer nunca da função social da linguagem nesta área, pois muito mais do que produzir uma peça o profissional deve ter em foco o outro o qual é destinatário de sua mensagem deseja saber que direitos estão sendo defendidos ou violados. Assim, o operador do Direito precisará dosar o seu texto, de forma que a linguagem técnica não deverá sacrificar nunca a clareza do que está sendo dito. Não é um campo fácil, mas é algo que se pode realizar.

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